Em 10 de agosto de 2019, no “dia do fogo”, ardiam em chamas
as margens da BR-163, na região de Novo Progresso, Pará. Passado um ano e com
as chamas voltando a crescer na Amazônia, poucos foram multados pelas queimadas
que consumiram a floresta.
Uma investigação da ONG Greenpeace conseguiu identificar 478
propriedades onde ocorreram queimadas no “dia do fogo”. Delas, 207 registraram
queimadas em área de floresta nos dias 10 e 11 de agosto –e somente 5,7% receberam
autuações.
Os dados levantados pelo Greenpeace também apontam que
metade dos incêndios do “dia do fogo” ocorreram dentro de propriedades com CAR
(Cadastro Ambiental Rural). Isso significa que são áreas nas quais é possível
identificar um proprietário e, assim, aplicar uma punição.
Ao sobrevoar os pontos que no ano anterior tiveram focos de
calor, a equipe da ONG observou que praticamente todas as áreas que tinham
florestas e foram queimadas já se transformaram em pastos.
“Apenas um ponto não tinha pasto. Nos outros, já tinha pasto
e gado sendo engordado”, afirma Rômulo Batista, porta-voz da campanha de
Amazônia do Greenpeace Brasil. Além disso, a região, que tem forte atividade
agropecuária, já se prepara para mais chamas, segundo Batista.
Nos sobrevoos, ele afirma ter sido possível observar leiras,
montes de material orgânico formados por árvores derrubadas que ficam secando e
são empilhadas para posterior queima. Desmatamento e queimadas andam lado a
lado, com o fogo vindo a seguir da derrubada da mata.
Também foram identificados pontos com a floresta degradada.
Basicamente, a ideia é tirar a vegetação que está abaixo da copa das árvores
para que mais luz chegue ao chão da mata, o que recebe o nome de “brocar”.
“Isso seca a matéria orgânica e ela fica mais suscetível ao fogo”, afirma
Batista.
Segundo levantamento do Greenpeace, nos dias 10 e 11 de
agosto de 2019, quase 40% (580) dos focos de calor na região foram em áreas de
floresta. Houve ainda 53 focos em terras indígenas e 534 em unidades de
conservação.
Nos dois dias em questão, o Pará registrou 1.457 focos de
calor, o que representou um crescimento de 1.923% em relação ao ano anterior.
SALTO
Ao olhar somente Novo Progresso, o salto de incêndios no
“dia do fogo” continua considerável, em torno de 300%. Foram 124 registros no
dia 10 e 203 no dia 11, o que criou uma densa nuvem de fumaça. Altamira, que
também está dentro da área de influência da BR-163, teve um salto considerável
de incêndios no dia 10, 743%, com 194 focos. No dia 11, foram 237 incêndios
detectados pelo Programa Queimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais).
Os municípios fazem parte da lista que puxou as queimadas no
Pará em agosto de 2019. Além deles, Itaituba, São Félix do Xingu, Jacareacanga
e Trairão concentraram 79% dos focos de incêndio no Pará.
VAQUINHA
O crescimento repentino mostra que foi um ato orquestrado,
segundo Batista. As investigações das polícias Civil e Federal também apontam
para isso. Segundo o inquérito, os principais suspeitos são fazendeiros,
madeireiros e empresários da região. A polícia afirma que os responsáveis
fizeram uma vaquinha para custear o combustível e contrataram motoqueiros para
espalhar o líquido.
NÚMEROS
RAIO X
1.923%
Aumento de queimadas no Pará em agosto de 2019 em comparação
ao mesmo mês de 2018.
5,7%
das 207 propriedades nas quais o Greenpeace observou
queimadas em florestas no “dia do fogo” foram autuadas.
49,9%
dos focos de calor observados no “dia do fogo” ocorrem em
propriedades privadas registradas no CAR (Cadastro Ambiental Rural) nos
municípios de Novo Progresso, São Félix do Xingu, Itaituba, Altamira,
Jacareacanga e Trairão, áreas, portanto, passíveis de identificação.
28%
Aumento das queimadas na Amazônia em julho de 2020, em
relação ao mesmo mês de 2019.
Preocupação é que
cenário de chamas se repita este ano
A preocupação para 2020 é que algo semelhante volte a
acontecer. Com desmatamento crescendo constantemente, uma elevada quantidade de
material desmatado no último ano ainda não queimado e com a política ambiental
do governo Bolsonaro sem alterações, “tem tudo o que é necessário para outra
grande época na qual as pessoas colocam fogo na Amazônia”, diz Batista.
Os dados de queimadas de junho e julho já pintam o cenário.
Em junho, a Amazônia teve o maior número de queimadas desde 2007, com aumento
de 20% em relação ao mesmo mês de 2019, segundo dados do Inpe. Em julho, o
aumento chegou a 28% em relação a 2019, ano que chamuscou a imagem ambiental
brasileira.
Além da Amazônia, o Pantanal também enfrenta um ano recorde
de queimadas como jamais foi registrado pelos dados do Inpe.
Enquanto isso, mais uma vez, o presidente, em suas lives
semanais, minimizou a questão do fogo na Amazônia. Ano passado, durante as
queimadas, chegou a afirmar, sem apresentar provas, que ONGs poderiam estar
envolvidas nos incêndios.
A situação se torna ainda mais preocupante ao se considerar
que os militares, pela GLO (Garantia da Lei e da Ordem), estão desde maio em
ações na Amazônia, há uma moratória do fogo (com proibição de queimadas na
Amazônia e Pantanal) e, mesmo assim, o desmate e os incêndios não arrefecem.
Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou
até a publicação desta reportagem.
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