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Racismo e futebol: paraenses analisam repercussão de casos

O estudo, realizado por Artur Araújo e José Calasanz Jr., analisou mais de 2.600 reportagens em sites e blogs e constatou que “macaco” é o principal termo utilizado para ofender uma pessoa preta. Saiba mais sobre os resultados encontrados.

Imagem ilustrativa da notícia Racismo e futebol: paraenses analisam repercussão de casos camera Divulgação

Novembro é o mês da Consciência Negra no Brasil e de início da Copa do Mundo do Catar. A mesma data, dia 20, que marca a morte de Zumbi dos Palmares, também assinalou o início da principal competição de seleções do planeta, cercada por uma série de críticas e polêmicas. Não por acaso, o futebol também é um dos principais cenários de tristes casos de racismo, sejam os alvos atletas, membros de comissões técnicas ou torcedores. Diante desse mal ilógico e anticivilizatório, virar o jogo para uma visão antirracista passa a ser uma missão.

Atentos a isto, dois comunicólogos paraenses, Artur Araújo e José Calasanz Jr., realizaram uma pesquisa que analisou reportagens publicadas de 01 de janeiro e 30 de junho de 2022, através da ferramenta Meltware, “uma das poucas de monitoramento que coleta e armazena uma quantidade enorme de reportagens em seu banco de dados, sendo uma grande oportunidade para compreender o impacto de cada assunto”, explica Artur, que CEO da Yesbil Consultoria e Treinamentos em Marketing Digital.

Devido a esta amplitude da análise, foram identificadas 2655 reportagens com referências a “racismo” e “futebol”. Dentre os casos mais recorrentes, três ganharam relevo:

- Internacional-RS x Corinthians-SP: o meia colorado Edenilson acusou o lateral português Rafael Ramos de o ter chamado de “macaco”. Edenilson registrou queixa, Ramos foi detido, mas meses depois foi absolvido. Nenhuma imagem de câmera conseguiu registrar/ provar a possível ofensa

- Partidas entre Boca Jrs. X Corinthians na Taça Libertadores da América: nos 4 jogos realizados este ano (na primeira fase da competição e nas oitavas), ocorreram referências e denúncias de racismo. Nas partidas realizadas em São Paulo, houve até torcedores argentinos detidos.

- Fla-Flu: em fevereiro, ainda pela Taça Guanabara, Gabriel Barbosa, o Gabigol, disse que foi chamado de macaco pela torcida do Fluminense na saída para os vestiários. Semanas depois, foi realizado o julgamento e o Tricolor foi absolvido, já que não foi possível provar as agressões. Já o Flamengo, no mesmo dia, foi punido, mas por homofobia, devido a cânticos da torcida.

Nestes 3 principais casos analisados e em outros encontrados na pesquisa, o termo “macaco” foi a ofensa mais utilizado para hostilizar um atleta, comissão técnica, árbitros, times e torcidas.

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Observar isto nos mostra que tais xingamentos não são aleatórios. Os estádios e as redes sociais tornaram-se arenas para expressões racistas e discursos de ódio contra os pretos que compõem esse universo esportivo. Para Calasanz, “a identificação de quais ofensas racistas são mais proferidas no futebol mostra que podemos realizar ações e campanhas de combate ao racismo utilizando estes termos de forma estratégica, direcionando o discurso para falar exatamente com quem profere essas palavras e ataques”, sugere o publicitário, que é responsável também pela comunidade Métrica Power.

Nos casos analisados o termo “macaco” foi a ofensa mais utilizado ao hostilizar um atleta, comissão técnica, árbitros, times e torcidas.
📷 Nos casos analisados o termo “macaco” foi a ofensa mais utilizado ao hostilizar um atleta, comissão técnica, árbitros, times e torcidas. |Yesbil

FUTEBOL DE TODAS AS CORES

Diante destes casos, a técnica em Enfermagem Camila Magalhães, 28 anos, mulher preta que vive Santo André-SP, comenta é necessário debater cada vez mais sobre as temáticas antirracistas dentro e fora de campo. Para que ocorram mudanças efetivas, é urgente existir amplo diálogo, leis mais duras e punições.

"Na minha opinião, no futebol, existe muita impunidade, pois a impressão que tenho é que sempre existiram esses casos de racismo no esporte por parte da torcida, dos jogadores, dos demais envolvidos e nada é feito, não existe uma punição para o racista", complementa Camila, que é apaixonada por futebol.

A santista Camila Magalhães relembrou outro caso de racismo que ocorreu este ano.
📷 A santista Camila Magalhães relembrou outro caso de racismo que ocorreu este ano. |Divulgação

É ainda a torcedora que lembra de outro triste momento de 2022, quando os torcedores do Ceará foram vítimas de racismo no Estádio de Avellaneda, em Buenos Aires. A equipe cearense enfrentou o Independiente em duelo da Copa-Sul Americana. Na ocasião, torcedores argentinos imitaram macacos e xingaram os jogadores, além de também arremessaram pedras e outros objetos nos alvinegros.

Episódios como este não se restringem ao território sul-americano. Na Europa, também existem injustiças raciais e xenofóbicas, inclusive, com brasileiros. Como foi o caso de Vinícius Júnior, atacante do time espanhol, Real Madrid. Constantemente, o jogador sofreu críticas pelo estilo de jogo e principalmente pelas danças que ele fazia ao marcar um gol.

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Na ocasião, Pedro Bravo, presidente da Associação de Agentes Espanhóis disse que Vinicius precisava parar de fazer "maquaquices", a partir de tal comentário racista, vários torcedores e usuários sentiram-se legitimados para realizar mais ataques racistas e xenófobos em relação ao brasileiro.

Para combater esse tipo de ato racista, o jornalista esportivo, Mateus Miranda, acredita que os clubes de futebol precisam se posicionar mais efetivamente em relação à causa. "É preciso que os times façam campanha, conscientizem o torcedor que racismo é um crime e tratá-lo como tal. Não podemos normatizar a questão. Devem existir punições mais severas às pessoas que cometem racismo e injúria racial nos esportes".

O jornalista Mateus Miranda acredita que "há um avanço nas discussões sobre racismo, só pelo fato de ser debatido durante os jogos, nas redes sociais, em reportagens especiais, entre outros espaços. Mas, ainda existe um longo caminho a ser trilhado para que o racismo, não só no futebol, mas na sociedade como um todo, não seja um fator que limite, cotidianamente, a vida de pessoas pretas", destaca.
📷 O jornalista Mateus Miranda acredita que "há um avanço nas discussões sobre racismo, só pelo fato de ser debatido durante os jogos, nas redes sociais, em reportagens especiais, entre outros espaços. Mas, ainda existe um longo caminho a ser trilhado para que o racismo, não só no futebol, mas na sociedade como um todo, não seja um fator que limite, cotidianamente, a vida de pessoas pretas", destaca. |Divulgação

Para Mateus, homem preto, jornalista esportivo e fã de futebol desde a infância, existe uma melhoria ao que tange a compreensão da Consciência Negra e questões raciais, no entanto, é indispensável que exista estratégias mais simples, objetivas e didáticas sobre o "que é ser negro", trazer à tona as histórias da cultura negra, racismo, injúria racial e como os negros conquistaram os direitos que ainda precisam reinvindicar.

O jornalista menciona o trabalho realizado pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol como exemplo admirável de conteúdos, estudos, relatórios e ações efetivas sobre o racismo, pois explora também outros fatores que influenciam atitudes racistas no futebol, como: desigualdade social, machismo, LGBTQIA+fobia, xenofobia, entre outras discriminações.

FUTEBOL E RACISMO NO PARÁ

No Pará, raros são os casos de racismo no futebol que ganharam maior repercussão midiática, o que sugere que o número de casos é, felizmente, pequeno. Um dos que mais foram noticiados ocorreu em 2014, quando o ex-jogador e ex-BBB Hadson Nery, então no Bragantino, foi denunciado pelo ex-zagueiro Yan Rodrigo, da Tuna Luso. De acordo com Yan, ele teria sido chamado de “macaco” e registrou Boletim de Ocorrência sobre o caso, que foi “esquecido” nos últimos anos.

Já em outubro deste ano, durante o clássico Remo e Paysandu pelo Campeonato Paraense Feminino, a atacante Silmara, do Bicolor, denunciou que foi ofendida por um torcedor remista. De acordo com ela, ele teria a chamado de “macaca”. Imediatamente, como reação, Silmara teve uma crise de choro e foi amparada pelas companheiras. Apesar da repercussão, não houve registro de Boletim de Ocorrência sobre o caso.

José Calasanz Jr. é graduado em Publicidade e Propaganda e possui ampla experiência no mercado de mídias sociais, com formações em Monitoramento, Métrica e Análise de Dados.
📷 José Calasanz Jr. é graduado em Publicidade e Propaganda e possui ampla experiência no mercado de mídias sociais, com formações em Monitoramento, Métrica e Análise de Dados. |Divulgação

Ainda no cenário regional, cabe destacar que em todas as partidas da Copa Verde este ano, foi possível ver também placas da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) com campanha contra a LGBTQIA+fobia e também antirracista. A medida, ainda que tímida, pode ajudar a fomentar novas possibilidades e, quem sabe, conscientização de torcedores que, infelizmente, são os principais agentes (visivelmente) de reprodução de práticas de racismo.

A pesquisa desenvolvida por Artur, da Yesbil, e Calasanz, da Pense Play, pode colaborar também na percepção e mesmo ação dos profissionais da mídia não apenas diante dos casos, mas de como reportá-las. “No Jornalismo, assim como na Publicidade, por muito tempo se viveu de achismos e ficamos presos em nossas bolhas. Então, quando um jornalista tenta analisar qual pauta é relevante e quais as formas de se abordar aquele assunto, fica preso a poucos exemplos mais ‘famosos’ ou de outros jornalistas. Com pesquisas como esta, a construção dos conteúdos pode ir mais além, seja no Jornalismo ou na Publicidade”, finaliza Artur.

Artur Araújo é founder e CEO da Yesbil. Graduado em Comunicação Social Multimídia e técnico em Planejamento e Realização de Eventos, tem mais de 16 anos de experiência em marketing digital, métricas, monitoramento e mídia.
📷 Artur Araújo é founder e CEO da Yesbil. Graduado em Comunicação Social Multimídia e técnico em Planejamento e Realização de Eventos, tem mais de 16 anos de experiência em marketing digital, métricas, monitoramento e mídia. |Divulgação

O QUE FICA

Pode parecer utopia, mas é preciso pensar e lutar por uma sociedade e, consequentemente, um futebol antirracista, em ambientes em que os jogadores, integrantes dos times e torcedores não tenham medo de simplesmente terem a cor da pele e a cultura pertencente a eles.

A célebre Elza Soares já entoava que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. A saudosa e eterna cantora, na canção “A carne”, não se referia apenas ao barateamento ao qual em geral a mão-de-obra de pessoas pretas, é submetida, como infelizmente indicam algumas pesquisas. A música também faz referência a ausência de oportunidades, pelo menor número de negros nas instituições de ensino superior, em cargos de liderança e acessibilidade aos direitos básicos no Brasil.

A história brasileira, ainda, possui uma dívida histórica com a população preta, pois embora seja a maioria em quantidade, é minoria em chances e possibilidades. Daí surge o chamado racismo estrutural. Segundo a Constituição Federal de 1988, racismo refere-se a insultos devido à raça, cor, etnia, religião ou origem da pessoa. No Brasil, é considerado um crime inafiançável e imprescritível, mas cheio de “jeitinhos” para se evitar as punições.

Isto tudo mostra a perversidade que é possível enxergar em parte dos brasileiros, que ainda carregam um racismo enraizado e demonstram isso até nas arquibancadas e redes sociais. É preciso, finalmente, abolir não apenas práticas nocivas e discriminatórias, mas avançar em diversas estruturas da sociedade para que o futebol seja, de fato, um espaço de todos e o Brasil o país do futebol e do respeito.

Texto especial para o DOL de autoria de Andreza Alves, que é jornalista, mestra em Ciências da Comunicação (Uminho - PT) e possui experiência em redação publicitária, planejamento estratégico e atendimento ao cliente e Enderson Oliveira, jornalista, professor, doutorando em Antropologia e editor no DOL.

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