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115 ANOS

Viva, Waldemar Henrique!

A presença da mitologia amazônica na música brasileira é um dos grandes legados do compositor, pianista e maestro Waldemar Henrique. Por isso, celebrar seu nascimento, no dia 15 de fevereiro de 1905, também é lembrar como a matinta perêra, cobra grande, t

Imagem ilustrativa da notícia Viva, Waldemar Henrique! camera Reprodução

A presença da mitologia amazônica na música brasileira é um dos grandes legados do compositor, pianista e maestro Waldemar Henrique. Por isso, celebrar seu nascimento, no dia 15 de fevereiro de 1905, também é lembrar como a matinta perêra, cobra grande, tambatajá e tantos outros seres do imaginário amazônico ganharam o interesse de artistas e pessoas comuns no país e mesmo no mundo, unindo a riqueza da cultura popular à música erudita, por meio das composições do maestro, fossem elas para concertos ou trilhas sonoras para o teatro e o cinema. E para rememorar toda essa história, o DIÁRIO inicia hoje uma série de matérias especiais festejando os 115 anos de nascimento de Waldemar.

A própria vida do artista e sua personalidade são difíceis de dissociar do seu interesse pela arte, em especial, pela música. Da vida pessoal, um fato que sempre o acompanhou foi a perda da mãe, Joana, durante o próprio parto. E por quem, ainda assim, alimentou sempre um grande carinho, que pôde ser percebido na fotografia dela, sempre na cabeceira de sua cama, até seus últimos dias. Do pai, Joaquim, Waldemar sempre contava como precisou estudar piano escondido, aos 13 anos, porque ele desaprovava que o filho seguisse esse caminho, conta Sebastião Godinho, 62, amigo do maestro por longos anos e herdeiro de suas obras e bens pessoais.

Obviamente, ser contrariado não impediu a ele nem a irmã Mara de se tornarem parceiros musicais de sucesso no Rio de Janeiro - ele ao piano e ela mostrando um grande talento para o canto lírico. E mesmo antes, em Belém, ele já era frequentemente convidado por amigos a tocar em festas em suas casas.

Por volta dos 14 anos, escreveu sua primeira música, “Valsinha do Marajó”, que originalmente se chamava “Olhos Verdes”. “Foi na praia do Mata Fome, no Marajó, que ele viu uma moça com olhos de um verde que ele nunca esqueceu e fez a música no violão. Anos depois, no Rio de Janeiro, o Arnaldo Rebelo, amigo dele, passou a música para o piano e pediu para mudar o nome, porque achava que ‘olhos verdes’ era nome para bolero e aquela era uma valsa muito bonita. E o Waldemar aceitou, sendo esse o nome dela até hoje”, diz Godinho.

PARCERIA EM FAMÍLIA

Morando no bairro da Cinelândia, no Rio de Janeiro, o maestro participou, ao longo dos anos 1930, de várias rodas de música no café Cine, próximo a seu apartamento, junto a nomes como Noel Rosa e Silvio Caldas. Conforme descreve o livro de memórias de Waldemar, “Só Deus Sabe Porque”, ainda morando por lá, em 1934, ele apresentou pela primeira vez, no teatro Beira-Mar, a música “Tamba-Tajá”, uma das suas mais famosas composições.

Também foi notória sua amizade com Mário de Andrade, que conheceu em sua primeira ida para São Paulo, em 1935, para um concerto de sua irmã Mara, ocasião na qual ela apresentou a composição “Boi Bumbá”. O poeta modernista considerou essa “a maior obra musical do folclore brasileiro”. Os dois frequentemente encontravam-se em uma casa de chope na Rua São Bento, em São Paulo, ou no bar Amarelinho, no Rio de Janeiro.

Waldemar Henrique com a irmã Mara
📷 Waldemar Henrique com a irmã Mara |Reprodução

Com a irmã, Waldemar Henrique ainda chegou a se apresentar no Cassino do Copacabana Palace Hotel e realizar uma excursão musical ao Norte e Nordeste do país, em 1936, e por Buenos Aires, em 1941. Nessa ocasião, assinou contrato com o empresário Alfonso Weissmann para realizar apresentações pela América Latina e Estados Unidos, que acabaram canceladas devido à Segunda Guerra Mundial.

Depois de muitas outras apresentações, em Portugal, França e outros lugares pelo Brasil, além de ter vários artistas, como Inezita Barroso, gravando suas músicas, Waldemar Henrique foi eleito, em 1958, para a cadeira número 49 da Academia de Música do Rio de Janeiro. E no ano seguinte, a BBC de Londres transmitiu um recital de canções de sua autoria com interpretação de Madalena Nicol e acompanhamento de Radamés Gnattali.

VOLTA

Em 1965, o então governador Alacid Nunes e o historiador Augusto Meira Filho convenceram o maestro a voltar para Belém e ele substituiu Edgar Proença na direção do Theatro da Paz, onde Waldemar chegou inclusive a morar. Foi ali que Godinho conheceu Waldemar Henrique, ainda adolescente, por volta dos 17 anos, em 1976. Ele queria a oportunidade de expor seus desenhos na Galeria Anjo, que funcionava onde hoje é a bilheteria do teatro, e foi fundada pelo maestro.

“Eu não sabia quem era Waldemar Henrique, um funcionário que me levou até ele. A primeira vez que tu olhavas para ele, tu te sentias um pouco retraído, porque ele tinha um rosto muito fechado. Era um homem que exigia tudo muito correto. Acho que por piedade, porque os desenhos realmente não eram muito bons, ele aceitou, disse ‘traga seus desenhos, que você pode fazer sua exposição aí”, lembra.

Sebastião Godinho se tornou amigo e herdeiro do maestro
📷 Sebastião Godinho se tornou amigo e herdeiro do maestro |Ricardo Amanajás/Diário do Pará

Godinho ainda trabalhou no teatro, onde construiu sua amizade com o maestro e, após a aposentadoria deste, recebeu o convite para ajudá-lo a organizar suas partituras para publicá-las, e outros documentos que dariam base para um livro com suas memórias. “A essa altura ele já estava com a vista bastante prejudicada. Apesar de ainda muito disposto - ele se aposentou em 1980, ao completar seus 70 anos -, já nem conseguia sair sozinho. Ele já nasceu com problemas no nervo ótico e que foram avançando ao longo da vida”, conta.

As partituras acabaram sendo publicadas em dois volumes pelo Conservatório Carlos Gomes e o livro de memórias, pela Secretaria de Estado de Cultura, trazendo desde discursos e cartas, até poemas e informações contidas em seus diários, que só pararam de ser escritos quando a falta da visão o impediu de mantê-los. Ali anotava inclusive comentários sobre concertos, e apresentações de artistas que via pela cidade.

MÍSTICO

Outros objetos que tinham seu apreço eram duas imagens, uma de Nossa Senhora da Conceição e outra de Jesus Cristo. A recomendação foi de que elas ficassem com Godinho, que deve repassá-las ao seu filho mais velho, afilhado de Waldemar Henrique, Pablo Henrique, hoje com 38 anos, e esse deve, ao morrer, passar ao filho mais velho. “E assim nós vamos fazer uma confraria de guardiões destas imagens, ele disse para mim”, lembra o amigo.

O misticismo do maestro não se atinha ao catolicismo ou às lendas amazônicas. Em sua casa, havia dois oratórios. No principal, ele rezava todos os dias ao acordar, às 5h30, e por volta das 18h30, antes de dormir. Ali havia imagens católicas, de umbanda, indianas, entre outras. “Para ele não tinha isso, ele misturava tudo e aquilo era que valia. Ele tinha uma relação muito mística com tudo. Onde ele chegava, ele tinha uma bússola que usava para procurar o Norte e dormia com a cabeça para lá”, conta Godinho.

Outro aspecto conhecido dos amigos era que Waldemar Henrique era sempre solícito. “Ele nunca deixou de atender um pedido de ninguém. Por mais simples que fosse o grupo de teatro, ou o filme, se lhe pediam uma música, uma trilha, ele fazia”, conta seu herdeiro. Um bom exemplo foi a presença de sua música em vários espetáculos da Escola de Teatro da UFPA, como “Cobra Norato”, remontagem conhecida e premiada.

Teve ainda parceiro de destaque na cidade, o poeta Antônio Tavernard, que morreu jovem, aos 28 anos, em decorrência de hanseníase, mas deixou uma obra de referência para a literatura paraense. O mais curioso é que os dois nunca tiveram contato pessoal, falavam-se apenas por telefone. Várias das lendas amazônicas que foram contadas em música de Waldemar Henrique, tinham letra de Tavernard.

“Em termos de arte, ele gostava de se envolver com tudo. Uma vez ele me disse que, quando jovem, experimentou fazer escultura, sem pretensões”. Isso porque, como dizia ele, “a música era sua perdição”, desde os seis anos, quando pela primeira vez ouviu uma orquestra, que tocava no navio que o levava de Belém para conhecer a família do pai, em Portugal. “Ele pedia para a babá o levar para ver a orquestra e contava que foi ali que começou a ficar cada vez mais apaixonado pelos sons”, lembra Godinho.

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